SCP: CNPJ sem Personalidade Jurídica – O que você precisa saber 

Você sabia que uma Sociedade em Conta de Participação, a SCP, adquire CNPJ mesmo sem ter personalidade jurídica? Parece contraditório, não é? Vamos explicar por que isso acontece e por que é tão importante! 

A Sociedade em Conta de Participação (SCP) representa um dos arranjos societários mais peculiares do direito empresarial brasileiro. Embora não possua personalidade jurídica própria, é obrigada a obter um CNPJ específico. Este aparente paradoxo intriga muitos empreendedores e profissionais do direito, mas possui fundamentos sólidos na legislação tributária nacional. 

Regulamentada pelos artigos 991 a 996 do Código Civil Brasileiro, a SCP constitui um modelo societário que opera nos bastidores do ambiente empresarial. Sua estrutura é composta por dois tipos distintos de sócios: o sócio ostensivo, figura central que assume a responsabilidade integral perante terceiros, operando em nome próprio e respondendo ilimitadamente pelas obrigações contraídas, sendo o único que aparece publicamente na condução dos negócios; e os sócios participantes (também chamados de sócios ocultos ou investidores), que contribuem com capital e/ou bens para o empreendimento, mas permanecem nos bastidores, sem exposição pública, com responsabilidade limitada ao capital investido, desde que não pratiquem atos de gestão. 

O artigo 991 do Código Civil estabelece explicitamente: “Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes”. 

Diferentemente das sociedades empresárias tradicionais, a SCP não possui personalidade jurídica própria. O artigo 993 do Código Civil é categórico ao afirmar que “a sociedade em conta de participação não tem personalidade jurídica”. Isso significa que a SCP não pode adquirir direitos ou contrair obrigações em nome próprio, não possui patrimônio próprio separado dos sócios, não pode ser parte em processos judiciais como autora ou ré e não está sujeita a registro na Junta Comercial. 

Apesar da ausência de personalidade jurídica, a Instrução Normativa RFB nº 1.863/2018 estabelece a obrigatoriedade de inscrição da SCP no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Esta exigência aparentemente contraditória tem finalidades específicas: permite à Receita Federal monitorar as operações financeiras realizadas no âmbito da SCP; facilita o cumprimento das obrigações tributárias sobre os resultados da sociedade; viabiliza a distribuição formal de lucros aos sócios participantes; e possibilita a separação contábil das operações da SCP daquelas do sócio ostensivo. 

O CNPJ da SCP é vinculado ao CNPJ ou CPF do sócio ostensivo, que permanece como o responsável legal perante o fisco e terceiros. Esta vinculação reflete a natureza peculiar da SCP como uma sociedade que existe apenas internamente, entre os sócios, sem projeção externa como entidade autônoma. 

A SCP possui tratamento tributário próprio, conforme estabelecido pelo Decreto nº 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda) e outras normas complementares. Ela é equiparada a pessoa jurídica para fins fiscais, pode optar pelos regimes de tributação do Lucro Real, Lucro Presumido ou Lucro Arbitrado, mas não pode optar pelo Simples Nacional. Deve manter escrituração contábil segregada das operações do sócio ostensivo e está sujeita às mesmas obrigações acessórias das demais pessoas jurídicas (DCTF, ECF, ECD, etc.). 

A falta de inscrição da SCP no CNPJ pode acarretar sérias implicações, como a descaracterização da sociedade, que pode ser tratada como sociedade de fato ou irregular; responsabilidade ilimitada, onde todos os sócios podem responder ilimitadamente pelas obrigações; problemas na distribuição de lucros, com impossibilidade de distribuir lucros legalmente aos sócios participantes; limitações fiscais, com dificuldades na dedução de despesas e aproveitamento de créditos tributários; autuações fiscais, com risco de autuações por omissão de receitas e sonegação fiscal; e tributação mais onerosa, com possibilidade de tributação pelo lucro arbitrado, geralmente mais gravoso. 

Apesar das peculiaridades, a SCP oferece vantagens significativas em determinados contextos. É ideal para empreendimentos temporários, serve como mecanismo para atrair investidores sem envolvê-los na gestão, facilita colaborações entre empresas sem criar nova entidade, é comum em incorporações e construções específicas no desenvolvimento imobiliário, permite compartilhar riscos e resultados de inovações na exploração de patentes e tecnologias, e viabiliza operações conjuntas com segregação de responsabilidades em joint ventures operacionais. 

A contabilidade da SCP exige cuidados especiais. As operações da SCP devem ser registradas separadamente das atividades próprias do sócio ostensivo, com demonstrações financeiras específicas como balanço patrimonial, DRE e demais demonstrativos elaborados exclusivamente para a SCP. Os lucros ou prejuízos são apurados conforme o regime tributário adotado, e os resultados são distribuídos conforme a participação de cada sócio no contrato social. 

Para quem considera utilizar este modelo societário, algumas recomendações são essenciais: estabelecer um contrato bem elaborado que defina claramente direitos, obrigações, participações e regras de governança; contar com assessoria especializada de profissionais experientes em direito societário e tributário; realizar um planejamento tributário para avaliar o regime de tributação mais vantajoso para a atividade específica; manter rigoroso compliance fiscal com cumprimento das obrigações acessórias; garantir transparência interna com prestação de contas regular aos sócios participantes; e manter clara segregação operacional entre as operações da SCP e as atividades próprias do sócio ostensivo. 

A Sociedade em Conta de Participação representa uma solução jurídica singular no ordenamento brasileiro, combinando a flexibilidade operacional com a segurança jurídica para investidores. O aparente paradoxo de um CNPJ sem personalidade jurídica reflete a preocupação do legislador em garantir a transparência fiscal sem descaracterizar a natureza peculiar deste arranjo societário. 

Para empreendedores e investidores, compreender as nuances da SCP pode abrir portas para estruturações negociais inovadoras e eficientes, desde que respeitados os requisitos legais e as boas práticas de governança corporativa. A conformidade com as exigências fiscais, especialmente a inscrição no CNPJ, é o primeiro passo para aproveitar os benefícios deste modelo societário sem incorrer em riscos desnecessários. 

Entender essas nuances é fundamental para quem deseja utilizar esse modelo societário tão flexível. Precisa de orientação específica para seu caso? Entre em contato conosco!