Em uma decisão que abalou o cenário empresarial brasileiro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu em 14 de abril de 2025 todos os processos judiciais que discutem a legalidade da pejotização em território nacional. Esta medida, que afeta diretamente um dos maiores desafios enfrentados pelos empreendedores brasileiros – a gestão de pessoas – representa um momento crucial para repensar as relações de trabalho no país.
Primeiro, precisamos entender o que é realmente a pejotização. No português bem direto: é quando uma empresa contrata alguém como pessoa jurídica (PJ) em vez de registrá-lo como funcionário pela CLT.
Tudo começou lá por 2017, quando surgiu um grande burburinho sobre terceirização. Muitas empresas pensaram: “Ótimo! Agora podemos contratar todo mundo como PJ e economizar um monte de dinheiro!” E aí veio a ideia que parecia brilhante: pedir para os funcionários abrirem MEI ou outras empresas, e pronto – sem pagar 13º, férias, FGTS, contribuição patronal e outros encargos trabalhistas.
O que era para ser uma “modernização das relações de trabalho” acabou virando, em muitos casos, precarização. Daí surgiu o termo “pejotização” – pessoas que antes eram CLT continuaram fazendo exatamente o mesmo trabalho, para as mesmas empresas, mas agora como “PJ”.
É importante deixar bem claro: contratar alguém como PJ não é crime ou ilegal por si só. O problema sempre foi e sempre será a fraude. Não adianta disfarçar uma relação de emprego como se fosse prestação de serviços. Se o “PJ” tem horário fixo, recebe ordens diretas, trabalha exclusivamente para você, usa equipamentos da empresa e tem todas as características de um funcionário – isso é fraude trabalhista, pura e simples.
E não nos enganemos: muitas vezes essa situação é conveniente para ambos os lados. A empresa quer economizar nos encargos, e o profissional às vezes também prefere receber um valor maior
O que o ministro Gilmar Mendes fez foi suspender temporariamente todos os processos que discutem esse tema, até que o STF julgue definitivamente a questão. Isso não significa que agora “pode tudo” ou que as empresas estão liberadas para transformar todos os funcionários em PJ. Significa apenas que o tribunal vai estabelecer regras mais claras sobre:
- Quando um contrato PJ é válido e quando é fraudulento
- Qual justiça deve julgar esses casos (comum ou trabalhista)
- Quem precisa provar que existia ou não relação de emprego
Para as empresas que já têm processos sobre esse tema, eles ficarão parados até a decisão final. Para quem está pensando em novas contratações, o cenário continua exigindo cautela.
Uma relação PJ legítima precisa respeitar a autonomia do profissional. Na prática, isso significa que ele deve ter liberdade para definir como e quando realizar o trabalho, poder atender outros clientes, não estar sujeito a controle de jornada rígido, e idealmente oferecer um serviço especializado que não seja a atividade principal da empresa.
O que muitas empresas fazem errado é tentar ter o melhor dos dois mundos: querem um funcionário que cumpra horário, siga ordens diretas, trabalhe exclusivamente para elas, mas sem pagar os direitos trabalhistas. Isso nunca foi permitido e provavelmente nunca será, independente da decisão do STF.
A terceirização legítima é diferente da pejotização disfarçada. Na terceirização real, você contrata uma empresa para realizar um serviço completo, com seus próprios funcionários e métodos. Já na pejotização fraudulenta, você apenas “disfarça” seus funcionários como se fossem empresas independentes.
O que podemos esperar da decisão final do STF? Provavelmente um meio-termo: nem a liberação total da pejotização, nem sua proibição completa. O mais provável é que sejam estabelecidos critérios mais claros para distinguir quando uma relação PJ é legítima e quando é apenas uma fraude trabalhista.
Enquanto isso, empresários precisam ser cautelosos. Contratar PJs pode ser uma estratégia válida para determinados tipos de serviços e profissionais, mas deve ser feito com transparência e respeitando a natureza real da relação. Não é uma fórmula mágica para reduzir custos trabalhistas em qualquer situação.
A decisão do STF é importante e vai trazer mais clareza para esse tema, mas não vai mudar o princípio básico: relações de trabalho precisam ser honestas e respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores, independentemente do formato jurídico que assumam.
O que está em jogo com a decisão do STF
A suspensão dos processos ocorrerá até que o STF julgue definitivamente o Tema 1389 de Repercussão Geral, que abordará três questões fundamentais: a validade dos contratos firmados com pessoas jurídicas para prestação de serviços; a definição da competência jurisdicional para declarar eventual nulidade desses contratos; e a determinação de quem possui o ônus da prova em disputas relacionadas à caracterização de vínculo empregatício.
Esta decisão não surge em um vácuo jurídico. Há anos, empresários brasileiros enfrentam insegurança jurídica ao contratar profissionais como pessoas jurídicas, mesmo quando ambas as partes desejam este formato de relação. A prática, conhecida popularmente como “pejotização”, tem sido objeto de interpretações divergentes nos tribunais trabalhistas, gerando um ambiente de incerteza que prejudica tanto empresas quanto profissionais autônomos.
O dilema da contratação no Brasil
O modelo tradicional de contratação via CLT, embora ofereça proteções importantes aos trabalhadores, impõe às empresas encargos que podem chegar a quase 100% do valor do salário. Para muitas organizações, especialmente pequenas e médias empresas e startups, estes custos representam uma barreira significativa à contratação formal e à expansão dos negócios.
Por outro lado, a contratação de profissionais como pessoas jurídicas pode proporcionar maior flexibilidade para ambas as partes, além de potencialmente aumentar o valor líquido recebido pelo prestador de serviços. No entanto, quando esta modalidade é utilizada apenas para mascarar uma relação de emprego genuína, configura-se uma fraude trabalhista com consequências jurídicas severas.
Distinguindo a pejotização legítima da fraudulenta
É fundamental compreender que existem dois cenários distintos quando falamos de pejotização:
Pejotização legítima: Ocorre quando um profissional autônomo, com independência técnica e sem subordinação direta, presta serviços especializados a uma ou mais empresas através de sua pessoa jurídica. Neste caso, não há elementos que caracterizem vínculo empregatício.
Pejotização fraudulenta: Acontece quando uma empresa exige que o trabalhador constitua uma PJ apenas para evitar encargos trabalhistas, mas mantém todos os elementos de uma relação de emprego: subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade.
A decisão do STF poderá estabelecer parâmetros mais claros para distinguir estas situações, trazendo maior segurança jurídica para o ambiente de negócios.
Impactos práticos para empresários e profissionais
Enquanto aguardamos o julgamento definitivo do tema pelo STF, algumas considerações práticas são importantes para empresários e profissionais:
Contratos em vigor: Os contratos de prestação de serviços atualmente vigentes não são automaticamente invalidados pela decisão. No entanto, é recomendável revisá-los para garantir que estejam adequadamente estruturados.
Novas contratações: Empresas que desejam contratar profissionais como PJ devem estruturar a relação de forma a respeitar a autonomia do prestador, evitando elementos que caracterizem subordinação direta.
Processos suspensos: Quem já está envolvido em processos judiciais sobre o tema terá seus casos paralisados até a decisão final do STF, o que pode representar um alívio temporário para empresas que enfrentam múltiplas ações trabalhistas.
O futuro das relações de trabalho no Brasil
A decisão final do STF sobre o Tema 1389 poderá representar um divisor de águas para as relações de trabalho no Brasil. Em um cenário ideal, o julgamento estabelecerá critérios objetivos que permitam relações contratuais legítimas entre empresas e profissionais autônomos, sem abrir espaço para precarização do trabalho.
É importante ressaltar que a contratação via PJ não deve ser vista como uma forma de burlar a legislação trabalhista, mas sim como uma alternativa legítima quando adequada à natureza da prestação de serviços. A chave para uma relação sustentável está na transparência e na estruturação adequada do contrato, respeitando a autonomia do profissional e as características específicas da atividade.
Preparando-se para o novo cenário
Enquanto aguardamos o julgamento definitivo, empresários podem se preparar adotando algumas medidas preventivas:
Revisar contratos existentes: Garantir que os contratos com PJs reflitam adequadamente a realidade da prestação de serviços, evitando cláusulas que sugiram subordinação direta.
Documentar a autonomia: Manter registros que demonstrem a autonomia do prestador de serviços, como a liberdade para definir horários, métodos de trabalho e possibilidade de atender outros clientes.
Buscar orientação especializada: Contar com assessoria jurídica especializada em direito empresarial e contratos para estruturar relações comerciais sólidas e juridicamente seguras.
Investir em capacitação: Compreender os fundamentos jurídicos que distinguem uma relação de emprego de uma prestação de serviços autônoma é essencial para tomar decisões informadas.
A suspensão dos processos pelo ministro Gilmar Mendes oferece um momento de reflexão para o empresariado brasileiro sobre como estruturar relações de trabalho que sejam simultaneamente competitivas, justas e juridicamente seguras. Mais do que uma questão legal, estamos diante de uma oportunidade para repensar o futuro do trabalho em um mundo cada vez mais dinâmico e flexível.
O julgamento do Tema 1389 pelo STF poderá finalmente trazer a segurança jurídica tão necessária para que empresas e profissionais possam estabelecer relações mutuamente benéficas, contribuindo para um ambiente de negócios mais próspero e inovador no Brasil.